Vejam que o sindicato dos professores estaduais, que deveriam representá-los, não respeitou o direito que eles tinham de decidir pela continuidade da greve, e mesmo contra a vontade deles decretou o final dela em 10/05.
É pau, é
pedra, é o fim do caminho: greve dos professores e sindicalismo de Estado
O cenário condiz com as políticas
adotadas: a situação acuada no caminhão, ao lado de uma oposição que não teve
uma política de enfrentamento adequada no momento necessário, tudo isso com a
proteção policial. Por Professores
Independentes
A greve dos professores do estado de São Paulo foi encerrada no último
dia 10 de maio por uma manobra de toda a burocracia sindical. Esse texto
procura levantar algumas questões sobre esse processo, que culminou num intenso
enfrentamento entre os professores independentes e a diretoria do sindicato.
Em primeiro lugar, é preciso situar a
Associação dos Professores de Ensino Oficial do Estado de São Paulo – APEOESP.
Com 180 mil sócios e representação em 93 regiões (subsedes) do estado, é hoje
um dos maiores sindicatos da América Latina, com arrecadação na casa dos
milhões de reais. Não há novidade alguma em afirmar que os sindicatos estão
engolidos pelo Estado e pelo capitalismo – no Brasil, sabemos que desde Vargas
isso é uma realidade. A APEOESP não é uma exceção. Uma notícia veiculada pelo
próprio Sindicato registra que a presidenta Maria Izabel Noronha tomou posse
como Vice-presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação – CNE [1]. Ou seja, a
representante dos trabalhadores faz parte da máquina estatal, da qual deveria
exigir e cobrar. Estamos em um cenário em que a inter-relação entre governos,
patrões e sindicatos ganha cada vez mais espaço, assim como o processo de
judiciarização das lutas [2]. Os trabalhadores
são conclamados a… confiar na burocracia, que está sempre entrando com
providências jurídicas, movendo ações, fazendo tudo que é necessário para
garantir direitos e conquistas. (E, no entanto, os direitos não são garantidos, muito menos as conquistas.)
Temos, então, a greve que a categoria acaba de protagonizar. Ela é
encaminhada, desde o início, de cima para baixo: proposta pela direção
majoritária (Artsind – CUT/ PT) e aprovada na V Conferência
Estadual da Educação, em novembro de 2012 [3]. A Conferência é
controlada pelo PT, que traz a maior parte dos
delegados. Uma greve é marcada, portanto, meses antes, por iniciativa da
direção majoritária, em uma instância não-deliberativa (uma Conferência),
passando por cima de toda a base da categoria. Os setores da Oposição
Alternativa (PSTU, Conspiração Socialista e outros), Unidos pra Lutar,
Trabalhadores na Luta Socialista (TLS) e Na Escola e na Luta (os dois últimos
como braços sindicais do PSOL) buscam denunciar esta manobra,
sendo acusados espertamente pela direção de “não quererem construir a
mobilização”. A greve aconteceria de qualquer jeito – e fica nítido desde o
início o objetivo eleitoreiro do PT, que deveria desgastar o governo
do PSDB em São Paulo, seu principal concorrente nas eleições estaduais de 2014.
Em 15 de março,
então, é realizada uma assembleia para referendar a “decisão” da Conferência,
aprovando um “indicativo” de greve. Marca-se uma assembleia para 19 de abril,
mas a data do início da greve não é consensual, devido à incompatibilidade das
agendas partidárias em disputa: o PT defende o início da greve para 22 de abril (já no dia letivo posterior à
assembleia de 19), visando estrategicamente o desgaste dos tucanos. Já o PSTU,
grupo majoritário da Oposição Alternativa/ CSP-Conlutas, tinha uma manifestação
de sua central sindical marcada para o dia 24 de abril, em Brasília [4], e fica em um mato sem cachorro: como construir, ao mesmo tempo, o
início da greve e a manifestação de seu grupo político? Sustentam, assim, uma
falsa preocupação em adiar a paralisação alguns dias para fazer “um maior
trabalho de base” e defendem o início da greve junto com sua ida a Brasília.
Perdem a votação, e conta-se que em muitas subsedes da APEOESP a principal
preocupação da oposição era chamar para o ato em Brasília, “esquecendo” de
convocar o conjunto da categoria à assembleia para decidir sobre a greve.
Em 19 de abril, finalmente (e apesar dos interesses partidários), a
greve da categoria é aprovada, em uma assembleia com cerca de 20 mil
professores [5].
É um resto de toco, é um pouco sozinho
As principais reivindicações são de reposição das enormes perdas
salariais, aumento real de salário e estabilidade para toda a categoria. Este
último ponto merece destaque. Uma vez estabelecida a divisão da categoria em
efetivos, “F” e “O”, além do eventual (“V”), o governo intensificou a
precarização do trabalho docente. Os professores efetivos são aqueles aprovados
em um dos poucos concursos realizados. Os professores categoria “F” são aqueles
que eram “OFAs” (Ocupantes de Função-Atividade) antes de 2007 e agora gozam de
certos benefícios dos efetivos, como o direito a 6 abonos por ano, estabilidade
estatutária de funcionário público e a garantia de ter 10 aulas semanais no
início do ano, sendo o restante da jornada atribuído depois dos efetivos. Já o
professor de categoria “O” vive numa situação de extrema precariedade, uma vez
que seu contrato é válido somente até o último dia letivo de dezembro,
possuindo o direito a apenas 2 abonos de ponto por contrato. Sendo demitidos em
dezembro e recontratados em fevereiro, não têm direito às férias, recebendo o
1° salário novamente apenas em março ou abril. Ou seja, passam meses sem
receber (recebem em média 10 salários por ano). Não são estatutários nem
celetistas e não possuem sequer os direitos de um trabalhador terceirizado,
sendo regidos pela Lei Complementar 1093/09, sancionada pelo governador José
Serra. Ao contrário dos demais servidores, não têm direito a assistência médica
pelo IAMSPE e precisam se submeter a um processo seletivo todos os anos – ou
seja, precisam “passar no concurso” todos os anos. Se não passarem, também
“pegarão” aulas (pois há falta de professores), mas serão taxados de
“reprovados”. A vida de um professor de categoria “O” é feita de humilhações
cotidianas.
Esta forma absolutamente precarizada de contratação já alcança hoje mais
de 48 mil professores, o que constitui quase 1/4 da categoria. A situação em si
é ilegal, contradizendo a própria Constituição Federal, que estabelece em seu
art. 37 que as contratações temporárias apenas atenderão à necessidade “de
excepcional interesse público”, ficando claro o seu caráter de exceção. Estes
professores, em sua maioria jovens, marcaram presença na mobilização, ao
contrário das expectativas da burocracia.
Logo na primeira semana o secretário
de educação, Herman Voordwald, chamou a direção do sindicato para negociação.
Aquilo que parecia acenar a um acordo foi somente um jogo para o governo dizer
que abriu negociações, onde na verdade nada foi negociado [6].
A segunda assembleia, realizada em 26 de abril, demonstra um amplo apoio
do professorado, com uma mobilização de mais de 20 mil manifestantes que ocupam
a Av. Paulista, descendo pela Av. Consolação e chegando à Secretaria de
Educação do estado, na Praça da República. Até então, o discurso levado pelas
diversas forças políticas nas escolas é o de fortalecimento da greve e do
Sindicato. Neste sentido, situação e oposição estão unidas, lutando contra os
desmandos do governo estadual. Porém, este cenário começa a mudar com o estouro
da luta dos professores municipais de São Paulo.
O mês de maio começa com 2 assembleias realizadas simultaneamente. No
centro estão os professores do município de São Paulo, que declaram greve
contra o governo municipal após o absurdo anúncio de 0% de reajuste para o ano
de 2013. Apenas alguns quilômetros adiante, na Av. Paulista, estão os professores
estaduais também paralisados, realizando sua 3ª assembleia.
A assembleia dos servidores municipais decide pela unificação das lutas,
e os professores caminham em direção à Praça da República, esperando pelos
colegas da rede estadual. Na Paulista, os professores enfrentam uma assembleia
atrasada em mais de 2 horas em seu início, com dezenas de falas inscritas pela
Articulação, que se repetem e repetem. Vaias estrondosas começam a ser ouvidas,
além de um grande coro pela unificação. Os professores exigem que a assembleia
se encerre e que se caminhe ao encontro dos professores municipais. O objetivo
de todos os trabalhadores da base é o mesmo:fortalecerem-se
mutuamente.
É o vento ventando, é a chuva chovendo
A direção da APEOESP está em pânico diante da possibilidade de
unificação – professores estaduais e municipais lutando juntos contra a
política de precarização da educação pública. A greve está saindo do controle
da burocracia. Ao invés de fortalecer o PT, os professores
estaduais fortaleceriam uma luta contra o PT. O feitiço
viraria contra o feiticeiro.
O desespero da burocracia é tão
grande que se apela a argumentos divisionistas: tentam convencer as bases de
que os professores da rede estadual “têm pautas específicas”; que quem quer a
unificação são aqueles que acumulam cargos (no estado e na Prefeitura, que
aliás são muitos); que ir ao encontro dos professores municipais seria um
desrespeito para com as subsedes que vieram do interior. Cada argumento faz
menos sentido que o anterior e é recusado pelos professores com vaias cada vez
maiores.
Perdendo uma votação sobre a mudança do local da próxima assembleia
(pois um grande número de professores consegue impor sua vontade, decidindo
pela manutenção da Av. Paulista, em uma recusa da política de recuo da greve),
a burocracia finalmente encerra a assembleia e os manifestantes saem em
passeata. Um grande contingente de policiais vai à frente, formando um cordão
diante dos manifestantes. O cerco estava fechado e a arapuca armada.
Enquanto a base se propunha a caminhar decisivamente ao encontro dos
colegas da rede municipal, através de outro golpe a direção majoritária desvia
o itinerário (não votado na Assembleia), causando o princípio de uma confusão [7]. A polícia, que dirigia a passeata e estava previamente orientada, se
posiciona para impedir a continuação da caminhada pela Av. Paulista, forçando o
desvio de rota. Depois de cerca de 30 minutos nesse impasse, o clima se acirra
cada vez mais até que João Zafalão, representante da Oposição Alternativa na
direção, resolve se pronunciar no carro de som. Seu discurso não destoa da
direção majoritária, destacando a importância da não divisão da categoria
naquele momento de conflito e sugerindo o prosseguimento do ato de acordo com o
itinerário traçado pelos dirigentes petistas. Em um momento decisivo, a
Oposição Alternativa recua, “ajudando” a burocracia, apoiando-se na velha
máxima de acumular forças nas bases para uma posterior ampliação e
radicalização da ação – uma ação que nunca sai do futuro. Também é marcante a
ausência do conjunto dos setores da oposição neste momento delicado: o que se
via era um grande número de professores independentes na linha de frente do
enfrentamento. A unificação das lutas, defendida pela oposição, só apareceu no carro
de som, não se concretizando na prática, quando acataram mais uma manobra da
diretoria. Enquanto estes grupos esperam pacientemente pelas condições
subjetivas necessárias para uma forte mobilização, os professores independentes
seguem seus caminhos.
Essas contradições são, em grande parte, compreendidas a partir de uma
deliberação do Congresso da APEOESP de 2000. Ali, além de outras propostas, foi
votado o direito à proporcionalidade na direção sindical, o que foi recebido
com grande festa por toda a oposição. Até então só fazia parte da direção o
grupo que vencesse as eleições. No entanto, ainda que a proporcionalidade seja
um princípio do sindicalismo classista e revolucionário, entendemos que este
princípio aplicado a uma estrutura sindical viciada, burocrática e atrelada ao
Estado tem suas implicações adversas. É como fazer remendos novos em uma roupa
velha. O que vemos hoje é um racha na oposição e uma incessante disputa por um
lugar ao sol na diretoria. Todos acabam querendo mamar um pouquinho nas tetas
do sindicato, mais ou menos presos às engrenagens dessa máquina.
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
A greve inicia sua terceira semana com as orientações bem demarcadas de
cada grupo. Se por um lado a situação age com todas as forças pela desmobilização
da categoria, por outro, a oposição já sente que a mobilização não duraria
muito tempo. Afirmar que a greve não teve continuidade devido ao
enfraquecimento da categoria impede a realização de uma análise mais profunda,
que busque as reais motivações do movimento e das forças políticas envolvidas –
foi essa estratégia utilizada pela atual direção para defender o fim da greve.
Prestaram-se a esse papel os representantes do PT, PCdoB ePSOL, que se empenharam em terminar
a greve na assembleia de 10 de maio.
Por outro lado, os diversos setores
de oposição, percebendo as dificuldades na manutenção da greve, passam a ter
posicionamentos diversos sobre a continuidade da mesma. Uma parte defende o fim
imediato da greve, nesta assembleia; outro setor, liderado pelo PSTU, aposta no
seu adiamento para a próxima terça-feira, 14 de maio, quando haveria a
assembleia dos professores municipais em greve e a oportunidade, portanto, de
encerrar a greve dos professores estaduais em um possível ato unificado.
A assembleia de 10 de maio tem início com essas posições já definidas
pelas diversas correntes do sindicato – bastava levá-las a votação e seguir a
decisão do conjunto da categoria. No entanto, não é bem isso que acontece. A
maioria dos professores presentes decide por não acabar com a greve e é
favorável a uma próxima assembleia em 14 de abril, unificando com os
professores municipais em greve. A Articulação, que precisava a todo custo de
impedir a unificação com os professores municipais e o desgaste da Prefeitura
do PT, se utiliza de um antigo recurso
da burocracia sindical: não fazer valer a assembleia e atropelar, sem
cerimônia, a decisão dos professores. Em uma votação relâmpago, que mal pode
ser registrada pela imprensa (como das outras vezes), a presidenta Maria Izabel
declara a greve encerrada e se esconde na parte de baixo do caminhão.
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
Neste momento de manobra da direção do sindicato, a oposição se cala.
Nenhum representante ensaia pegar o microfone e denunciar esse abuso. Os professores
então, revoltados, decidem expressar seu descontentamento com um Sindicato que
ignora as decisões tomadas pela base. Muitos se aglutinam ao redor do caminhão,
de modo que a direção fica acuada do lado de dentro. Alguns apoiadores da
situação fazem um bloqueio na porta que dá acesso ao local onde se encontram os
dirigentes. A tensão entre os guardiões da burocracia sindical e o restante do
professorado dura cerca de meia hora, até que a polícia chega e toma conta da
situação, fazendo um cordão de isolamento em todo o caminhão. Alguns
professores haviam subido em cima do caminhão e são retirados pela polícia, com
seus métodos habituais.
Finalmente o cenário condiz com as políticas adotadas. A situação acuada
no caminhão, ao lado de uma oposição que não teve uma política de enfrentamento
adequada no momento necessário. Tudo isso com a proteção policial – afinal, o
Estado tem que defender os seus negociadores diante de uma classe insurrecta.
Essa crescente indignação que tomou conta dos professores independentes
é fruto de uma intensa
mobilização, realizada no decorrer da greve principalmente pelos professores
mais precarizados, os chamados categoria “O”. Isso desmonta a argumentação de
que essa havia sido uma greve de vanguarda. Na realidade, a pouca quantidade de
comandos de greve em algumas subsedes só aponta para o enfraquecimento dessa
vanguarda diante de tantas greves sem vitórias significativas para a categoria.
Depois que a polícia sitia o caminhão de som, alguns líderes da oposição
resolvem sair da toca. João Zafalão convoca uma pequena assembleia, pronuncia
algumas palavras no megafone sobre a manobra da Articulação e faz um chamado
para que todos sigam em marcha até a Secretaria de Educação de São Paulo, na
Praça da República, para demonstrar a insatisfação com a situação. O chamado
foi retardatário. Muitos professores, de forma independente, já tinham saído em
marcha em direção à sede central do sindicato, também na Praça da República,
com o intuito de ocupar este espaço. Neste meio tempo, a polícia consegue fazer
com que o caminhão siga no fluxo contrário da Av. Paulista, assegurando a revoada
da burocracia sindical. Cerca de 3 mil pessoas participam dessa marcha,
acompanhada de um helicóptero e várias motos da polícia, que intimidam os
manifestantes em todo o trajeto. As correntes de oposição participam da
caminhada, mesmo após suas repetidas ausências nos momentos de enfrentamento.
Chegando à Praça da República, a Oposição Alternativa e outros grupos que
compõem a oposição vão para a Secretaria de Educação, que já estava fechada e
onde nada havia a fazer, recusando-se a ocupar o Sindicato junto com os demais
manifestantes. É compreensível, já que estão presentes em cargos na diretoria,
como já discutimos. Para o grupo que chega finalmente à sede do Sindicato,
nenhuma surpresa: dezenas de policiais os esperam. Traídos pela direção,
fragmentados pela oposição, acuados pela polícia – em uma palavra, exaustos,
aos poucos os professores se dispersam. Mas o sentimento de revolta permanece
no ar e não há corporativismo que cale o grito daqueles que continuam
explorados pelo Estado com o consentimento do Sindicato. Fica muito claro para
essa nova camada de professores altamente precarizada, que fazem sua
experiência política com as direções sindicais, que esses gestores tem como
objetivos apenas os seus próprios ganhos na corrida eleitoral – e não as
conquistas econômicas dos trabalhadores, o melhoramento das condições de
trabalho, a valorização da carreira docente, o enfrentamento da questão da
violência e, finalmente, a defesa da educação pública e a reflexão sobre o
papel da escola na sociedade.
Postado por Bruno Calandria Ribeiro
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